quarta-feira, agosto 09, 2006

Texto complementar: Se tiver um tempo, dê uma lida

ATIREM BYTES E PIXELS

O jornal Washington Post tem planos para deixar de circular na forma impressa no ano de 2020 e se tornar disponível só na versão on-line. Essa previsão é feita considerando que o mercado consumidor de produtos jornalísticos deverá evoluir para um novo padrão, seguindo a tendência formada pelo segmento de jovens que têm hoje entre 12 e 20 anos. Essa turma não suja mais os dedos de tinta, vê cada vez menos TV e se informa pela internet. Claro que os fornecedores de papel, de logística de distribuição e os donos de pontos-de-venda vão ter problemas, mas, indiscutivelmente, o futuro do jornalismo será o de produtos que vão escoar através da superestrada da informação digital: TV, internet e celular.

O conhecimento desses planos me trouxe à mente o nosso presidente da Câmara de Deputados, Aldo Rebelo. Talvez porque esse deputado seja para mim o ícone da incapacidade dos políticos brasileiros de atualizar suas idéias. Esse deputado do PCdoB sempre lutou procurando apresentar projetos destinados a preservar empregos, os quais ele imagina que estejam ameaçados pelos avanços tecnológicos. O deputado é coerente com a ideologia de seu partido, que mantém, ainda em 2006, o martelo e a foice como símbolos do trabalho. Em 6 de abril de 1994, o deputado apresentou um projeto de lei que, curto e grosso, "proíbe a adoção por qualquer órgão público da administração direta e indireta, nos níveis municipal, estadual e federal, de qualquer inovação tecnológica que seja poupadora de mão-de-obra".

O projeto de lei rodou por 11 anos em regime de apreciação por várias comissões permanentes da Câmara, até que, em 6 de junho de 2005, a Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática votou por unanimidade pela rejeição do projeto de lei, embora reconhecendo "a louvável intenção do autor". Pelo visto, não podemos perder totalmente as esperanças de encontrar decência e lucidez entre os parlamentares do atual e vergonhoso Congresso.

Mas, se você acha que parlamentares apresentando e subscrevendo bobagens são privilégios do Brasil, deveria conhecer o tiro no pé que foi a Lei da Bandeira Vermelha aprovada na Inglaterra em 1865 e que vigorou até 1896 - portanto, durante 31 anos. Apesar do nome, essa lei não tinha nada a ver com comunistas ou socialistas. Naquela época, o transporte era sinônimo de carruagens e estrada de ferro. Logo o aparecimento de uma inovação tecnológica, que era o avô daquilo que chamamos hoje de automóvel, poderia ameaçar o status quo dos transportes.

Conhecida como "carruagem-sem-cavalo" ou "locomotiva leve", aquela geringonça experimental imediatamente desagradou aos poderosos empresários de estradas de ferro e aos das empresas de carruagens. Um forte lobby foi articulado por esses dois setores empresariais para matar na origem aquela virtual ameaça a seu poderio. O pretexto foi a segurança pública. Assim conseguiram aprovar a lei que exigia que o trânsito de qualquer daquelas geringonças só poderia se realizar com um homem a sua frente, a pé, empunhando bandeira vermelha - daí o nome da lei - e anunciando a passagem da coisa.

"Quem tenta sufocar a inovação está condenando as próximas gerações ao atraso"

Esse lobby de empresários conquistou o apoio de seus sindicatos de trabalhadores, preocupados com o eventual desemprego, graças à inclusão na tal lei da exigência de que cada "carruagem-semcavalo" deveria ter, obrigatoriamente, um condutor profissional e mais três pessoas responsáveis pela manutenção do veículo. Quando se juntam os sindicatos de patrões e de trabalhadores, nada pior para a sociedade como um todo.

A Lei da Bandeira Vermelha impediu a viabilidade econômica de qualquer plano de massificação de veículos automotores na Inglaterra. E por isso a inovação tecnológica foi brotar como semente revolucionária em outros lugares, nutrida e aperfeiçoada por tipos empreendedores como Gottlieb Daimler e Karl Benz, na Alemanha, e Henry Ford, nos Estados Unidos. O resto dessa história já é conhecido, e a Inglaterra foi a grande perdedora. Tente sufocar a inovação ou parar a mudança em um país, tente parar uma onda global, e você estará condenando as próximas gerações a trilhar o caminho do atraso em direção à irrelevância.

Transformações que rompem os padrões estarão nos anos à frente se abatendo em ondas sucessivas sobre a humanidade. Teremos de reinventar e inovar em escala jamais vista, mudar nossos estilos de vida, nossas organizações, nossas estruturas de governo. As pessoas terão de desenvolver um nível maior de responsabilidade individual sobre os próprios destinos e também uma nova qualidade de responsabilidade comunitária e cívica. No que diz respeito a reinventar nossas instituições democráticas, dominadas por uma escória obscurantista e corrompida, é uma boa pista a seguir o desespero do deputado Fernando Gabeira, quando diz que "a digital é a única revolução que nos resta. Vamos armar com ela as principais trincheiras contra a invasão dos bárbaros. Vamos morrer atirando bytes e pixels".

Serão tempos instigantes e valerá a pena participar dessa jornada da humanidade, tenho certeza; e, acredito, nossos bisnetos provavelmente escreverão sobre os nossos dias da mesma forma que Dickens escreveu sobre os tempos da Revolução Francesa: "Foi o melhor e o pior dos tempos, a idade da sabedoria e a da insensatez, a era da fé e a da incredulidade, o Século das Luzes e o Século das Trevas, a primavera da esperança e o inverno do desespero".

Ricardo Neves é consultor de empresas e autor de "Pegando no Tranco - O Brasil do Jeito Que Você Nunca Pensou".